segunda-feira, 19 de abril de 2010

TORRADAS QUEIMADAS

TORRADAS QUEIMADAS!

Quando eu ainda era um menino, ocasionalmente, minha mãe gostava de fazer um lanche, tipo café da manhã, na hora do jantar. E eu me lembro especialmente de uma noite, quando ela fez um lanche desses, depois de um dia de trabalho, muito duro.
Naquela noite longínqua, minha mãe pôs um prato de ovos, linguiça e torradas bastante queimadas, defronte ao meu pai.. Eu me lembro de ter esperado um pouco, para ver se alguém notava o fato. Tudo o que meu pai fez, foi pegar a sua torrada, sorrir para minha mãe e me perguntar como tinha sido o meu dia, na escola.
Eu não me lembro do que respondi, mas me lembro de ter olhado para ele lambuzando a torrada com manteiga e geléia e engolindo cada bocado.
Quando eu deixei a mesa naquela noite, ouvi minha mãe se desculpando por haver queimado a torrada. E eu nunca esquecerei o que ele disse:

" - Amor, eu adoro torrada queimada..."

Mais tarde, naquela noite, quando fui dar um beijo de boa noite em meu pai, eu lhe perguntei se ele tinha realmente gostado da torrada queimada. Ele me envolveu em seus braços e me disse:

"- Companheiro, sua mãe teve um dia de trabalho muito pesado e estava realmente cansada... Além disso, uma torrada queimada não faz mal a ninguém. A vida é cheia de imperfeições e as pessoas não são perfeitas. E eu também não sou o melhor marido, empregado, ou cozinheiro!"

O que tenho aprendido através dos anos é que saber aceitar as falhas alheias, escolhendo relevar as diferenças entre uns e outros, é uma das chaves mais importantes para criar relacionamentos saudáveis e duradouros.
Essa é a minha oração para você, hoje. Que possa aprender a levar o bem ou o mal colocando-as aos pés do Espírito Santo. Porque afinal, ele é o único que poderá lhe dar uma relação na qual uma torrada queimada não seja um evento destruidor."
De fato, poderíamos estender esta lição para qualquer tipo de relacionamento: entre marido e mulher, pais e filhos, irmãos, colegas e com amigos.
Não ponha a chave de sua felicidade no bolso de outra pessoa, mas no seu próprio. Veja pelos olhos de Deus e sinta pelo coração dele; você apreciará o calor de cada alma, incluindo a sua.
As pessoas sempre se esquecerão do que você lhes fez, ou do que lhes disse. Mas nunca esquecerão o modo pelo qual você as fez se sentir.


(AUTOR DESCONHECIDO)

José Rubens.

Será que é hora de morrer ?

Numa tarde de Junho de 2005 estava sentado aguardando a minha chamada para o entediante, mas necessário, check-up anual quando entrou pela sala um senhor franzino, trajando um agasalho azul e camiseta branca. Sentou-se ao meu lado e em poucos segundos já puxava assunto sobre o tempo tão inconstante na capital paulista, sobre o trânsito, a demora para a chamada, o esforço dos médicos em serem simpáticos, e coisas assim.
De repente, o pequenino homem, começou um pequeno discurso sobre se valeria mesmo a pena fazer o tal check-up. No limiar dos seus 88 anos, dizia ele, talvez fosse dinheiro jogado fora ou mesmo tomar o tempo dos atendentes com um velho que pode morrer a qualquer momento ou sacrificar enfermeiros e médicos com um caso sem solução. Discursava com naturalidade, alegria e serenidade que ninguém poderia achar aquilo absurdo. Dizia que já havia vivido o suficiente e feito muita gente feliz e que poderia até mesmo reconhecer e dizer o nome de todas as pessoas que conheceu durante sua longa vida.
Entre uma piada e outra, seus olhos já sem brilho e demonstrando o passar dos anos, rodavam a sala com uma velocidade incríivel, quase camaleônica e atentava-se a cada detalhe, desde o quadro de um bromélia que já desbotado e perdido num canto de sala de espera, que ele insistia em dizer que aquela pintura estava fora do contexto e que talvez uma paisagem tornava o impessoal ambiente mais acolhedor, até o corte do taier das atendentes que as deixavam desconfortáveis durante o dia de trabalho. Que percepção incrível !
Confesso que nunca iria me atentar a esses detalhes e muito menos saber que consequências aquilo poderia trazer. Enfim aquela conversa começou a me interessar. Dizia ele que andava de bicicleta todos os dias, pois assim poderia se atentar melhor a cada detalhe do seu trajeto diário. Lamentava que, por ordens médicas, havia sido privado deste passeio matinal, mas que guardava na mente cada capitel e seu formato das entradas dos prédios do centro de São Paulo. Falou-me da beleza arquitetônica da Avenida São Luiz e das pesadas portas de ferro fundido e bronze dos prédios da 7 de Abril. Pediu-me que dedicasse um tempo maior para contemplar o antigo prédio da Light olhando da Praça Ramos de Azevedo e correr os olhos pelo antigo Mappin até o Teatro Municipal, Convidou-me a gastar o tempo com o início da Brigadeiro Luiz Antonio e admirar o prédio que foi da antiga Ducal. Já havia ouvido esse nome de loja através do meu pai, mas mesmo assim consegui me localizar e selei o compromisso.
Disse-me, com sua voz já fraca, que mais do que isso que guardava na memória, tinha consigo a boa lembrança dos amigos e que os considerava todos os seus filhos, até mesmo aqueles que o espancaram no cativeiro. Cativeiro? Sim, o pequenino homem, que agora eu já percebia seu forte sotaque do leste europeu, havia sido sequestrado em 1998, contava ele. Apanhou muito e teve o nariz fraturado, mas mesmo assim, sem perder o humor, disse que mesmo sua liberdade ter custado 117 mil reais, à época, ainda não havia perdido o gosto de pedalar por aí.
Seu discurso já demonstrava um certo cansaço dos anos, mas era notório que gostava de narrar fatos, como se fosse um livro que saído da estande se mostrava alegre e brejeiro quando lido por alguém. Suavemente fomos conversando e nos conhecendo, rimos muito de casos do acaso até o momento fomos separados por uma atendente para a sequência dos exames do check-up, mas ainda nos vimos no final da jornada médica quando ele me perguntou meu nome e nos apresentamos formalmente. "Seo" Girz me abraçou e em bom Ídiche me disse: Vá na paz de D'us.
Três anos mais tarde, em 19 de Junho de 2008, vi no jornal que Girz Aronson faleceu no Sirio-Libanês aos 91 anos. O "Rei do Varejo", dono da G. Aronson, o "inimigo número 1 dos preços altos", Girz Aronson se foi. Um dos maiores negociadores do varejo e dono de uma rede varejista de eletrodoméstico que incomodou a muitos por muitos anos, inclusive o imortal Samuel Klein. Sobrevivente de sequestro, falências e revezes, era indestrutível. Um homem forte, apesar da aparência franzina que depois de perder um império varejista, ainda encontrou forças para continuar trabalhando com suas filhas em um pequena loja da Conselheiro Crispiniano, a GA Utilidades, seu habitat natural.
A história deste lituano judeu marcou a vida de São Paulo tanto economicamente como em sua história e no crescimento. Um homem aprazível e um eterno colecionador de amigos também deixou minha vida marcada, pois eu conheci o "Seo" Girz, aquele pequeno homem de olhos acinzentados, dono de um coração gigante e imbatível, um homem ímpar, que também é meu amigo.

Por: José Rubens.

Olavo de Carvalho

Quem avisa, amigo é


Para além dos seus respectivos discursos padronizados de autodefinição ideológica, que nem de longe bastam para esclarecer sua verdadeira substância histórica e à vezes servem antes para camuflá-la, várias diferenças separam no Brasil a direita e a esquerda. Desde logo, esta tem uma história; aquela, não. É incrível como esse fator decisivo passa despercebido aos ilustres analistas políticos da grande mídia e da academia, jumentos empalhados que falam. Ele, por si só, explica muito da atual situação política brasileira: de um lado, uma facção imbuída de forte identidade histórica, sedimentada ao longo de quatro ou cinco gerações pelo contínuo reexame e transmutação do legado recebido em instrumento de ação presente, guiado por uma imagem de futuro sempre renovada e adaptada às circunstâncias. De outro, um farelo de grupos surgidos do nada, da noite para o dia, da mera aglomeração fortuita de indignações ocasionais e interesses inconexos. Uns, ignorando tudo do passado. Outros, ansiosos para renegá-lo ao menos em público, caprichando em demonstrações de bom-mocismo para limpar-se da contaminação de um “ranço autoritário” que nem sabem exatamente o que possa ter sido, mas que, hipnotizados pelo discurso esquerdista dominante, acreditam ser coisa invariavelmente feia. Outros, empenhados em enternecer a esquerda para parecer moderninhos, abdicando de toda identidade própria no front moral e cultural em troca de concessões econômico-administrativas que, embora eles não o saibam, o governo lhes faria igualmente sem isso, pois precisa delas para financiar com o lucro capitalista a construção do poder socialista. Outros, enleados em criar belas formulações doutrinais em juridiquês pomposo, que comovem a população como o cocô dos passarinhos comove um busto de bronze. Outros, por fim, devotados a negar a realidade patente, apegando-se, com mais de uma década de atraso, aos velhos slogans “A Guerra Fria acabou”, “Lula mudou” e similares, que já eram estúpidos quando lançados pela primeira vez e que só serviram para proteger sob um manto de silêncio cúmplice o crescimento do Foro de São Paulo e do seu poder continental. E praticamente todos apostando na força mágica das eleições, como se o afluxo de eleitores às urnas durante algumas horas, de quatro em quatro anos, tivesse mais força que a ação constante, diuturna, incansável, da militância organizada; como se já não soubessem, pelo exemplo de Collor, que a simples eleição de um presidente, sem tropas de militantes para apoiá-lo nas ruas, não passa de um convite ao impeachment ou, no mínimo, à paralisação do governo sob o metralhar incessante das acusações, dos escândalos e dos inquéritos.

Se algo a história jamais desmentiu, é esta regra elementar: quem dura mais, vence.

Dessa diferença essencial decorre uma segunda: a esquerda tem objetivos de longo prazo pelos quais seus combatentes dariam a vida e que em última instância constituem ali o critério de todos os valores, de todas as decisões, ao passo que a direita, sem outro objetivo senão a sobrevivência imediata, se compõe e decompõe ao sabor de impressões de momento, sem ordem nem rumo, bem como de simpatias e antipatias voláteis, de uma futilidade atroz.

E da segunda diferença decorre uma terceira. Na esquerda, os intelectuais têm uma função orgânica, são os formuladores de estratégias gerais que os políticos seguem com uma constância admirável. Já a direita quer intelectuais apenas como propagandistas de idéias prontas – função na qual os cérebros mais fracos e rotineiros são obviamente preferidos aos pujantes e criadores –, com o agravante de que aquelas idéias não são nem idéias, são apenas os preconceitos, ilusões e regras de bom-tom da classe economicamente privilegiada, cuja máxima aspiração é amolecer o coração da esquerda, na vã esperança de que, bem afagada, ela a deixará em paz. Quando o sr. Presidente da República diz que essa gente não tem a mínima perspectiva de poder, está sendo até generoso: a direita brasileira, tomada como conjunto, não tem sequer a mais vaga idéia do que seja a luta política.

Olavo de Carvalho.

Fonte: http://www.olavodecarvalho.org/semana/100301dc.html