segunda-feira, 29 de abril de 2013


A SOCIEDADE BRASILEIRA ATRAVESSOU UM CONJUNTO DE TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS, ECONÔMICAS, POLÍTICA E CULTURAIS AO LONGO DO SECULO XX.

AMORIM, Celso Tolardo de


I - A FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA NO BRASIL.

            Dentre as várias formas de mudança que constituem a sociedade brasileira, torna-se importante aquela que comporta o trabalhador e o seu papel ao longo de um processo histórico que culminará na formação da classe operária no Brasil. Isso requer uma análise da história que leve em consideração as particularidades da formação social brasileira após a Abolição da Escravatura e nos conduzirá à observação de outras diversas formas de mudança que ocorreram em nosso país em relação ao trabalhador. Este, ora ator influente, ora conduzido por outros fatores, constituem-se como o ponto principal desta reflexão.
            Para que seja possível analisar as diversas mudanças que ocorrem em relação ao trabalhador brasileiro após a Abolição da escravatura, tomaremos como ponto de partida considerações acerca de certos questionamentos - tais como “o que muda? ’, “como muda?”, “qual é a direção da mudança?”, “qual o seu ritmo?”, “quais as suas causas?” e “quais os fatores objetivos e subjetivos que estão presentes no processo?” – assim como nos propõem Gerth e Mills(1973). Ao mesmo tempo, e também seguindo as considerações destes dois autores, será necessário observar o papel que a tecnologia, em particular, assume nesta história. Todas estas questões nos ajudarão a compreender a situação do trabalhador brasileiro por várias vias, sem que seja necessário fazer uma redução da história em uma única teoria fechada que nos traz o risco de desconsiderar alguns fatores que se fazem importantes para a compreensão das mudanças. Assim, será possível entender que a situação do trabalhador brasileiro após a Abolição da Escravatura varia desde a condição de conduzidos pela estrutura social até, de certa forma, à condição de transformadores desta estrutura.
            Por isso, tomamos o trabalhador brasileiro como uma unidade de mudança histórico-social. Da mesma maneira, e como não poderia deixar de ser, ele também muda em seus papéis, em suas lutas e em seus movimentos. Aqui se faz importante a existência de uma análise que considere os fatores quantitativos e qualitativos da mudança que esta unidade sofre, pois é neste sentido que tal mudança deixa de ter um caráter “micro” para se tornar uma transformação relevante para o mundo do trabalho no Brasil e para a sociedade brasileira como um todo. Enfim, a sociedade brasileira possui características próprias que conduzirão a análise em direção a questões muito importantes e interessantes.

2 - AS MUDANÇAS E OS SEUS ASPECTOS

            Tendo em vista o trabalhador do Brasil como uma unidade de mudança histórico-social, é possível compreender que ele passa por diversas etapas que irão culminar na formação do proletariado brasileiro e, conseqüentemente, na urbanização acelerada em algumas regiões do país. Mas tal processo se dá de forma lenta e sem a característica de revolução, ou seja, de uma ruptura abrupta com a estrutura social. Esta, por sua vez, apesar de não sofrer quebras repentinas, se transforma gradualmente de acordo com a “evolução” da situação do trabalhador brasileiro, que, aos poucos, acaba trazendo novas características à formação social do Brasil.
            O processo de proletarização do trabalhador brasileiro se inicia de certa forma, com a situação que comporta a cafeicultura como atividade econômica predominante desenvolvida no país. Porém, tal atividade, em seu início, é exercida ainda a partir do trabalho escravo, que irá gradualmente ser substituído por conta de fatores externos, como a pressão britânica que proibiu o comércio de escravos e exerceu influência para que a escravidão fosse abolida no país para que fosse possível escoar a sua produção de mercadorias, além da influência das idéias liberais que ganhavam força no século XIX.
            Com o corte do suprimento de escravos e a Abolição da Escravatura, a questão da mão de obra se tornou um grande problema no Brasil, sendo que a sua resolução seria dada pela tentativa de substituir o trabalho do escravo pelo trabalho livre do imigrante. No entanto, no início deste processo de transição, o que ocorreu foi a substituição da mão de obra, mas com a estrutura social escravista mantida. No entanto, esta tentativa se revelou frustrada, visto que o imigrante europeu não se adaptava à condição deste sistema, o que levou a transposição de escravos do Norte e Nordeste para o trabalho com o café entre os anos de 1850 e 1888, isto é, entre a Abolição da Escravatura e o fim do Império. É possível observar que, neste período da história do país, o trabalho livre e escravo existiram simultaneamente, constituindo uma mudança gradual até a consolidação do trabalho livre como predominante.
            Esta transição possui uma característica que marca outra forma de trabalho desenvolvido essencialmente nas plantações constituída por um semi proletariado, ou seja, a existência de um trabalhador assalariado que precisava complementar as suas necessidades a partir de uma produção autônoma para subsistência. Junto a isso, também ocorre o surgimento de trabalhadores assalariados livres na manufatura e de um proletariado urbano a partir do desenvolvimento de ferrovias, transporte e serviços portuários, entre outros serviços. Porém, neste período, este proletariado e este trabalhador manufatureiro que surge ainda não é muito significativo, pois ainda não existe um mercado desenvolvido para os produtos manufaturados, além do fato de que existia a preferência pelos produtos importados.
            Havia, então, a necessidade de um mercado para que fosse possível o desenvolvimento de uma classe operária no Brasil. Isso veio ocorrer no fim do século XIX, com a elevação da taxação dos produtos importados, o que impulsionava o desenvolvimento de um mercado interno, e também com a construção de estradas de ferro que possibilitou a unificação desses mercados. Desta forma, criou-se as condições para o desenvolvimento do capitalismo no país e para o surgimento de uma burguesia e de um proletariado propriamente dito, um proletariado puro que não carecia de suprir as suas necessidades com atividades autônomas. Ainda assim, o capitalismo brasileiro se desenvolve e se mantém até os anos 1930 a partir de uma base agrícola, o que acaba caracterizando a existência de poucos trabalhadores industriais em relação aos trabalhadores do setor de serviços e em relação aos trabalhadores agrícolas.
            Pode se observar que esta mudança não se constitui como um processo revolucionário que, repentinamente, transforma a estrutura social e nem como um processo contínuo que delineia as formas de trabalho de maneira sequencial  O que acontece é a existência simultânea das formas antigas com as formas novas, ou seja, da presença do trabalhador da manufatura ao mesmo tempo em que surge o trabalhador industrial.
            O proletário industrial só irá se consolidar como uma classe relevante a partir do surgimento da grande indústria, nos anos 1940. Aqui, ocorre uma mudança substantiva na estrutura social do país à medida que causa a transformação de papéis sociais importantes e também possibilita o surgimento de novas instituições e de novos modos de vida. O trabalhador da indústria cresce em número e em importância e, finalmente, se consolida como um proletário puro por conta de ser mais bem pago e, além disso, ele traz a característica da organização e das negociações coletivas, o que o torna um ator social importante. Ao mesmo tempo, a consolidação da indústria impõe ao trabalhador do campo a necessidade da migração, devido ao empobrecimento dos pequenos agricultores e também por conta da expropriação da terra por posseiros, tudo isso aliado ao fato de que as condições de vida do trabalhador do campo acabam sendo inferiores às do trabalhador urbano.
            Sendo assim, é possível compreender que as mudanças que envolvem o trabalhador no Brasil se caracterizam por um ritmo lento e gradual desprovido de rupturas repentinas, porém, são transformações significativas que afetam a própria estrutura social do país. Neste caso, as mudanças se direcionam a partir de uma base agrária e culmina em uma industrialização que provoca uma urbanização descontrolada que leva ao super crescimento de alguns pólos industriais. Do mesmo modo, o trabalhador sai, ainda que lentamente, de uma condição de escravo para a de um trabalhador livre, passando por colono, agregado, até se tornar um operário industrial, um proletário, sendo que, em algumas situações, tais fases não apresentam um caráter sequencial  ou seja, a existência de um tipo de trabalho não elimina o outro, podendo coexistir formas de trabalho e de trabalhadores dentro de uma mesma estrutura social. Esta análise responde, então, tanto às questões em relação ao que muda, e sobre como esta unidade muda, quanto às questões referentes ao ritmo e à direção da mudança.
            Mas ainda é necessário complementar a nossa análise com outras considerações relevantes. Podemos observar que tais mudanças possuem muitas causas econômicas, como não poderia deixar de ser quando se trata da formação de um proletariado. A Abolição da Escravatura, por exemplo, que motivou a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, foi o resultado de uma pressão britânica que proibiu o tráfico negreiro e impulsionou o advento do trabalho livre no Brasil, tendo em vista a expansão de mercados para os seus produtos. De certa maneira, a situação do trabalhador no Brasil acompanha o desenvolvimento do capitalismo mundial. O crescimento da indústria na Europa, por exemplo, motivou as atividades relacionadas à cafeicultura e, assim, também influenciou nas formas de trabalho e na vida do trabalhador empregado neste tipo de atividade. As políticas estatais também estão relacionadas às formas de trabalho que se estabeleceram no país, o que pode ser observado com o advento da grande indústria, a partir dos anos 1940, e que causou a proletarização do trabalhador do campo e mudou as bases da estrutura social que se apoiava nas atividades agrícolas. Assim, também resolvemos à questão que procura responder sobre as causas que motivam a transformação ocorrida com a nossa unidade de mudança histórico-social.
            Não podem ser deixadas de lado as idéias e as atitudes que motivaram muitas das mudanças que tratamos acima. Além dos interesses econômicos já citados, também teve grande força as idéias vindas do exterior, que motivavam muitas atitudes políticas dos Estados mais desenvolvidos. As concepções iluministas, por exemplo, produzem uma consciência liberal que se torna incompatível com a realidade da escravidão e influenciam as elites que pretendem fazer do Brasil um país moderno, provocando os movimentos abolicionistas. O trabalho livre, então, é tratado como algo essencial para a modernização do país.
            Já sob as condições do trabalho livre, outras idéias motivam os trabalhadores e provocam questionamentos e reivindicações que culminariam em movimentos importantes de luta trabalhista no século XX. As idéias anarquistas trazidas pelos imigrantes europeus tiveram grande importância no modo como foram planejadas as organizações em sindicato e de negociações coletivas, desencadeando em grandes movimentos como a greve geral de 1917. Assim, também o impacto da Revolução Russa no mesmo ano impulsiona uma mudança da concepção anarquista que visa destruir o estado para a concepção comunista que pretende tomar o Estado de assalto, sendo o grande legado de tais idéias a criação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922.
            Compreende-se, então, que a realidade brasileira mostra tanto a ação das idéias nos processos de mudança que envolve os trabalhadores como também a ação dos próprios indivíduos que, em determinados momentos, foram capazes de criar algum tipo de organização com o intuito de defender e lutar pelos seus interesses, apesar de existir a constante repressão exercida por parte do Estado, principalmente a partir da década de 1930, com o governo de Getúlio Vargas que procurou “sufocar” os movimentos de trabalhadores organizados a partir de uma política que garantia os direitos sociais de uma forma paternalista em detrimento da abertura para a livre iniciativa dos cidadãos. As idéias que permeavam este tipo de política eram, essencialmente, antiliberais e primavam pela ação do Estado como agente fundamental para a construção da nação brasileira.

3 - CONCLUSÃO
            Com tudo isso, podemos responder às questões propostas para a análise da nossa unidade de mudança histórico-social. Podemos considerar que as formas de trabalho mudam no decorrer de um longo processo que acontece sem rupturas drásticas e repentinas, direcionando-se a uma proletarização e a uma urbanização descontrolada que irão afetar a estrutura do país. Também é possível entender que estas transformações se dão a partir, tanto de mecanismos econômicos, estatais e políticos quanto às ações dos próprios trabalhadores que, em determinados períodos históricos criaram as suas próprias organizações cujo objetivo era defender os seus interesses. As causas são as mais variadas, porém, ganha destaque o fator econômico que direciona as políticas do Estado, além de influenciar também nas condições de vida e de trabalho das quais os trabalhadores “desfrutaram” durante o tempo. Mostramos que os indivíduos, ao se organizarem, deixam de ser coadjuvantes no cenário político e procuram a firmação como atores sociais relevantes a partir do reconhecimento de algumas idéias que surgem no exterior. Resta-nos considerar que o aspecto técnico ou tecnológico presente nesta mudança se encontra na situação da industrialização, que acaba transformando o modo de vida de um número significativo de trabalhadores que precisaram migrar do campo para a cidade. Quantitativamente, o que se observa é o crescimento do número de trabalhadores que, ao longo do tempo, deixam algumas atividades antes predominantes para serem comportados na crescente indústria no país.

4 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

IANNI, Octávio, Teoria da estratificação social: leituras de sociologia, São Paulo, Editora Nacional, 1972.
SINGER, Paul; A Formação da Classe Operaria ., São Paulo: Editora Atual Ltda., 1985.

KOSHIBA, Luiz,. 1945  História do Brasil,São Paulo: 7. E
ditora revista Atual. Ltda., 1996.

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