A SOCIEDADE BRASILEIRA ATRAVESSOU UM
CONJUNTO DE TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS, ECONÔMICAS, POLÍTICA E CULTURAIS AO LONGO
DO SECULO XX.
AMORIM, Celso Tolardo de
I - A FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA NO BRASIL.
Dentre as várias formas de mudança
que constituem a sociedade brasileira, torna-se importante aquela que comporta
o trabalhador e o seu papel ao longo de um processo histórico que culminará na
formação da classe operária no Brasil. Isso requer uma análise da história que
leve em consideração as particularidades da formação social brasileira após a
Abolição da Escravatura e nos conduzirá à observação de outras diversas formas
de mudança que ocorreram em nosso país em relação ao trabalhador. Este, ora
ator influente, ora conduzido por outros fatores, constituem-se como o ponto
principal desta reflexão.
Para que seja possível analisar as
diversas mudanças que ocorrem em relação ao trabalhador brasileiro após a
Abolição da escravatura, tomaremos como ponto de partida considerações acerca
de certos questionamentos - tais como “o que muda? ’, “como muda?”, “qual é a
direção da mudança?”, “qual o seu ritmo?”, “quais as suas causas?” e “quais os
fatores objetivos e subjetivos que estão presentes no processo?” – assim como
nos propõem Gerth e Mills(1973). Ao mesmo tempo, e também seguindo as
considerações destes dois autores, será necessário observar o papel que a
tecnologia, em particular, assume nesta história. Todas estas questões nos
ajudarão a compreender a situação do trabalhador brasileiro por várias vias,
sem que seja necessário fazer uma redução da história em uma única teoria
fechada que nos traz o risco de desconsiderar alguns fatores que se fazem
importantes para a compreensão das mudanças. Assim, será possível entender que
a situação do trabalhador brasileiro após a Abolição da Escravatura varia desde
a condição de conduzidos pela estrutura social até, de certa forma, à condição
de transformadores desta estrutura.
Por isso, tomamos o trabalhador
brasileiro como uma unidade de mudança histórico-social. Da mesma maneira, e
como não poderia deixar de ser, ele também muda em seus papéis, em suas lutas e
em seus movimentos. Aqui se faz importante a existência de uma análise que
considere os fatores quantitativos e qualitativos da mudança que esta unidade
sofre, pois é neste sentido que tal mudança deixa de ter um caráter “micro”
para se tornar uma transformação relevante para o mundo do trabalho no Brasil e
para a sociedade brasileira como um todo. Enfim, a sociedade brasileira possui
características próprias que conduzirão a análise em direção a questões muito
importantes e interessantes.
2 - AS MUDANÇAS E OS SEUS ASPECTOS
Tendo em vista o trabalhador do
Brasil como uma unidade de mudança histórico-social, é possível compreender que
ele passa por diversas etapas que irão culminar na formação do proletariado
brasileiro e, conseqüentemente, na urbanização acelerada em algumas regiões do
país. Mas tal processo se dá de forma lenta e sem a característica de
revolução, ou seja, de uma ruptura abrupta com a estrutura social. Esta, por
sua vez, apesar de não sofrer quebras repentinas, se transforma gradualmente de
acordo com a “evolução” da situação do trabalhador brasileiro, que, aos poucos,
acaba trazendo novas características à formação social do Brasil.
O processo de proletarização do
trabalhador brasileiro se inicia de certa forma, com a situação que comporta a
cafeicultura como atividade econômica predominante desenvolvida no país. Porém,
tal atividade, em seu início, é exercida ainda a partir do trabalho escravo,
que irá gradualmente ser substituído por conta de fatores externos, como a
pressão britânica que proibiu o comércio de escravos e exerceu influência para
que a escravidão fosse abolida no país para que fosse possível escoar a sua
produção de mercadorias, além da influência das idéias liberais que ganhavam
força no século XIX.
Com o corte do suprimento de
escravos e a Abolição da Escravatura, a questão da mão de obra se tornou um
grande problema no Brasil, sendo que a sua resolução seria dada pela tentativa
de substituir o trabalho do escravo pelo trabalho livre do imigrante. No
entanto, no início deste processo de transição, o que ocorreu foi a
substituição da mão de obra, mas com a estrutura social escravista mantida. No
entanto, esta tentativa se revelou frustrada, visto que o imigrante europeu não
se adaptava à condição deste sistema, o que levou a transposição de escravos do
Norte e Nordeste para o trabalho com o café entre os anos de 1850 e 1888, isto
é, entre a Abolição da Escravatura e o fim do Império. É possível observar que,
neste período da história do país, o trabalho livre e escravo existiram
simultaneamente, constituindo uma mudança gradual até a consolidação do
trabalho livre como predominante.
Esta transição possui uma
característica que marca outra forma de trabalho desenvolvido essencialmente
nas plantações constituída por um semi proletariado, ou seja, a existência de
um trabalhador assalariado que precisava complementar as suas necessidades a
partir de uma produção autônoma para subsistência. Junto a isso, também ocorre
o surgimento de trabalhadores assalariados livres na manufatura e de um
proletariado urbano a partir do desenvolvimento de ferrovias, transporte e
serviços portuários, entre outros serviços. Porém, neste período, este
proletariado e este trabalhador manufatureiro que surge ainda não é muito
significativo, pois ainda não existe um mercado desenvolvido para os produtos
manufaturados, além do fato de que existia a preferência pelos produtos
importados.
Havia, então, a necessidade de um
mercado para que fosse possível o desenvolvimento de uma classe operária no
Brasil. Isso veio ocorrer no fim do século XIX, com a elevação da taxação dos
produtos importados, o que impulsionava o desenvolvimento de um mercado
interno, e também com a construção de estradas de ferro que possibilitou a
unificação desses mercados. Desta forma, criou-se as condições para o
desenvolvimento do capitalismo no país e para o surgimento de uma burguesia e
de um proletariado propriamente dito, um proletariado puro que não carecia de
suprir as suas necessidades com atividades autônomas. Ainda assim, o
capitalismo brasileiro se desenvolve e se mantém até os anos 1930 a partir de
uma base agrícola, o que acaba caracterizando a existência de poucos
trabalhadores industriais em relação aos trabalhadores do setor de serviços e
em relação aos trabalhadores agrícolas.
Pode se observar que esta mudança
não se constitui como um processo revolucionário que, repentinamente,
transforma a estrutura social e nem como um processo contínuo que delineia as
formas de trabalho de maneira sequencial O que acontece é a existência
simultânea das formas antigas com as formas novas, ou seja, da presença do
trabalhador da manufatura ao mesmo tempo em que surge o trabalhador industrial.
O proletário industrial só irá se
consolidar como uma classe relevante a partir do surgimento da grande
indústria, nos anos 1940. Aqui, ocorre uma mudança substantiva na estrutura
social do país à medida que causa a transformação de papéis sociais importantes
e também possibilita o surgimento de novas instituições e de novos modos de
vida. O trabalhador da indústria cresce em número e em importância e,
finalmente, se consolida como um proletário puro por conta de ser mais bem pago
e, além disso, ele traz a característica da organização e das negociações
coletivas, o que o torna um ator social importante. Ao mesmo tempo, a consolidação
da indústria impõe ao trabalhador do campo a necessidade da migração, devido ao
empobrecimento dos pequenos agricultores e também por conta da expropriação da
terra por posseiros, tudo isso aliado ao fato de que as condições de vida do
trabalhador do campo acabam sendo inferiores às do trabalhador urbano.
Sendo assim, é possível compreender
que as mudanças que envolvem o trabalhador no Brasil se caracterizam por um
ritmo lento e gradual desprovido de rupturas repentinas, porém, são transformações
significativas que afetam a própria estrutura social do país. Neste caso, as
mudanças se direcionam a partir de uma base agrária e culmina em uma
industrialização que provoca uma urbanização descontrolada que leva ao super
crescimento de alguns pólos industriais. Do mesmo modo, o trabalhador sai,
ainda que lentamente, de uma condição de escravo para a de um trabalhador
livre, passando por colono, agregado, até se tornar um operário industrial, um
proletário, sendo que, em algumas situações, tais fases não apresentam um
caráter sequencial ou seja, a existência de um tipo de trabalho não elimina o
outro, podendo coexistir formas de trabalho e de trabalhadores dentro de uma
mesma estrutura social. Esta análise responde, então, tanto às questões em
relação ao que muda, e sobre como esta unidade muda, quanto às questões
referentes ao ritmo e à direção da mudança.
Mas ainda é necessário complementar
a nossa análise com outras considerações relevantes. Podemos observar que tais
mudanças possuem muitas causas econômicas, como não poderia deixar de ser
quando se trata da formação de um proletariado. A Abolição da Escravatura, por
exemplo, que motivou a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, foi
o resultado de uma pressão britânica que proibiu o tráfico negreiro e
impulsionou o advento do trabalho livre no Brasil, tendo em vista a expansão de
mercados para os seus produtos. De certa maneira, a situação do trabalhador no
Brasil acompanha o desenvolvimento do capitalismo mundial. O crescimento da
indústria na Europa, por exemplo, motivou as atividades relacionadas à
cafeicultura e, assim, também influenciou nas formas de trabalho e na vida do
trabalhador empregado neste tipo de atividade. As políticas estatais também
estão relacionadas às formas de trabalho que se estabeleceram no país, o que
pode ser observado com o advento da grande indústria, a partir dos anos 1940, e
que causou a proletarização do trabalhador do campo e mudou as bases da
estrutura social que se apoiava nas atividades agrícolas. Assim, também
resolvemos à questão que procura responder sobre as causas que motivam a
transformação ocorrida com a nossa unidade de mudança histórico-social.
Não podem ser deixadas de lado as
idéias e as atitudes que motivaram muitas das mudanças que tratamos acima. Além
dos interesses econômicos já citados, também teve grande força as idéias vindas
do exterior, que motivavam muitas atitudes políticas dos Estados mais
desenvolvidos. As concepções iluministas, por exemplo, produzem uma consciência
liberal que se torna incompatível com a realidade da escravidão e influenciam
as elites que pretendem fazer do Brasil um país moderno, provocando os
movimentos abolicionistas. O trabalho livre, então, é tratado como algo
essencial para a modernização do país.
Já sob as condições do trabalho
livre, outras idéias motivam os trabalhadores e provocam questionamentos e
reivindicações que culminariam em movimentos importantes de luta trabalhista no
século XX. As idéias anarquistas trazidas pelos imigrantes europeus tiveram grande
importância no modo como foram planejadas as organizações em sindicato e de
negociações coletivas, desencadeando em grandes movimentos como a greve geral
de 1917. Assim, também o impacto da Revolução Russa no mesmo ano impulsiona uma
mudança da concepção anarquista que visa destruir o estado para a concepção
comunista que pretende tomar o Estado de assalto, sendo o grande legado de tais
idéias a criação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922.
Compreende-se, então, que a
realidade brasileira mostra tanto a ação das idéias nos processos de mudança
que envolve os trabalhadores como também a ação dos próprios indivíduos que, em
determinados momentos, foram capazes de criar algum tipo de organização com o
intuito de defender e lutar pelos seus interesses, apesar de existir a
constante repressão exercida por parte do Estado, principalmente a partir da
década de 1930, com o governo de Getúlio Vargas que procurou “sufocar” os
movimentos de trabalhadores organizados a partir de uma política que garantia
os direitos sociais de uma forma paternalista em detrimento da abertura para a
livre iniciativa dos cidadãos. As idéias que permeavam este tipo de política
eram, essencialmente, antiliberais e primavam pela ação do Estado como agente
fundamental para a construção da nação brasileira.
3 - CONCLUSÃO
Com tudo isso, podemos responder às
questões propostas para a análise da nossa unidade de mudança histórico-social.
Podemos considerar que as formas de trabalho mudam no decorrer de um longo processo
que acontece sem rupturas drásticas e repentinas, direcionando-se a uma
proletarização e a uma urbanização descontrolada que irão afetar a estrutura do
país. Também é possível entender que estas transformações se dão a partir,
tanto de mecanismos econômicos, estatais e políticos quanto às ações dos
próprios trabalhadores que, em determinados períodos históricos criaram as suas
próprias organizações cujo objetivo era defender os seus interesses. As causas
são as mais variadas, porém, ganha destaque o fator econômico que direciona as
políticas do Estado, além de influenciar também nas condições de vida e de
trabalho das quais os trabalhadores “desfrutaram” durante o tempo. Mostramos
que os indivíduos, ao se organizarem, deixam de ser coadjuvantes no cenário
político e procuram a firmação como atores sociais relevantes a partir do
reconhecimento de algumas idéias que surgem no exterior. Resta-nos considerar
que o aspecto técnico ou tecnológico presente nesta mudança se encontra na
situação da industrialização, que acaba transformando o modo de vida de um
número significativo de trabalhadores que precisaram migrar do campo para a
cidade. Quantitativamente, o que se observa é o crescimento do número de
trabalhadores que, ao longo do tempo, deixam algumas atividades antes
predominantes para serem comportados na crescente indústria no país.
IANNI, Octávio, Teoria da estratificação social: leituras de sociologia, São
Paulo, Editora Nacional, 1972.
SINGER, Paul; A Formação da Classe Operaria ., São Paulo: Editora Atual Ltda., 1985.
KOSHIBA, Luiz,. 1945 História do Brasil,São
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